Correio Fora da Curva #42 - O que tem sido debatido sobre o trabalho?
Jornada de trabalho; Ajuda humanitária em Gaza; e mais!
Bem vinda a mais um correio fora da curva!
Essa edição, tratamos sobre alguns temas que cercam o debate sobre o trabalho no Brasil atualmente. Falamos sobre o Movimento 'Vida Além do Trabalho', Regulamentação dos motoristas de aplicativo e dois temas para acompanhar no Senado.
Além disso, tratamos sobre o por que parece tão difícil que a ajuda humanitária chegue em Gaza.
Como sempre, no final da newsletter, te damos recomendações de textos, vídeos e podcasts.
Vale lembrar que o Desajuste é uma rede de estudantes, acadêmicos e profissionais progressistas da economia. Essa newsletter, como tudo que fazemos, foi escrita a muitas mãos
Debates sobre jornada de trabalho
Na última quarta-feira, foi comemorado o Dia Internacional do Trabalho, data esta que remonta à luta de classes no século XIX. Com o avanço da plataformização e de novas dinâmicas de trabalho, formas alternativas de regulação do trabalho, além do questionamento da organização trabalhista vigente, têm pautado debates públicos nacionais e internacionais. No Brasil, não é diferente; as relações trabalhistas têm sido matéria de mobilização popular, enquanto a regulamentação de motoristas de aplicativo é pautada pelo Poder Executivo.
Um dos principais movimentos brasileiros recentes sobre o trabalho é o movimento ‘Vida além do Trabalho’ ou VAT. Curiosamente, nasceu e se organizou nas redes sociais - no TikTok, mais especificamente - após um vídeo-desabafo de Ricardo Azevedo, ex-balconista de farmácia, viralizar na rede social. No vídeo, Ricardo demonstra sua insatisfação após sua ex-chefe procurá-lo em seu – único - dia de folga, pedindo para que ele entrasse mais cedo no outro dia, reduzindo ainda mais o seu descanso semanal.
Dessa forma, a principal bandeira levantada pelo VAT, conferindo-lhe grande visibilidade, é o fim da jornada de trabalho 6x1 (trabalha-se seis dias e folga-se um) e a proposta da implementação de uma escala 4x3 (trabalha-se quatro dias e folga-se três). Uma das maiores demonstrações do alcance do VAT é a petição pública levantada pelo grupo e endereçada ao Congresso Nacional, na qual mais de 835 mil pessoas já demonstraram adesão ao fim da jornada 6x1.
Um dos principais setores afetados pela escala 6x1 é o varejo, que emprega mais de 6 milhões de pessoas no Brasil. Em entrevista a Marie Declercq no UOL, a psicóloga Luana Pinto Morais enfatiza que “Os trabalhadores no varejo são vistos como reposições mais rápidas e de fácil mão de obra. Isso cria uma desconexão da pessoa com o trabalho; ele perde o sentido. Somado à jornada e ao tempo de deslocamento, há um quadro comum de trabalhadores com estresse, depressão e ansiedade". Vale lembrar que, segundo dados do Ministério da Previdência Social, só em 2023, os afastamentos por saúde mental cresceram 38%.
Outro tema que tem chamado a atenção é a Regulamentação dos Motoristas de Aplicativo. No último dia 4 de março, o governo federal lançou o projeto de lei que regulamenta o trabalho dos motoristas por aplicativos no Brasil. O PL é destinado exclusivamente a motoristas e deixa de fora entregadores e outras categorias que também trabalham por aplicativos.
No texto, são estabelecidas diversas questões, como um valor mínimo de pagamento por hora em que o motorista estiver no app, contribuição previdenciária por parte das empresas, criação de sindicato da categoria e conhecimento das regras de oferta das viagens. Com a regulamentação, o governo calcula um impacto de 280 milhões por mês na arrecadação.
Todavia, o projeto de lei não agradou uma parte dos entregadores.
Segundo lideranças do movimento contrário ao PL, o projeto nos moldes apresentados pelo governo favorece apenas o próprio governo com a arrecadação decorrente da regulamentação. Para a AMASP (Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo), um valor de salário mínimo por hora trabalhada pode fazer com que as empresas limitem as corridas sempre que esse valor seja batido. Além disso, a AMASP também é contrária à limitação de 12 horas trabalhadas diariamente (que só podem ser ultrapassadas a partir de uma negociação com o sindicato).
Além do VAT e da regulamentação dos motoristas de aplicativo, dois projetos de lei no Senado são importantes para se ficar de olho. O PL 5.970/2019, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues, dispõe sobre a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde se identifique exploração de trabalho em condições análogas à escravidão. Já o PL 1105/2023, do senador Eduardo Gomes, busca acrescentar artigo à Consolidação das Leis do Trabalho, facultando a redução da jornada de trabalho, desde que feita sem redução salarial.
Por que parece tão difícil que a ajuda humanitária chegue em Gaza?
A crise humanitária causada pelo ataque de Israel em Gaza tem sido observada com horror por todos nós nos últimos 7 meses. Bombardeiros, dezenas de milhares de mortes, ataques a hospitais, valas comuns... E talvez a ameaça mais grave: a fome.
Mais da metade da população da Faixa de Gaza vive em grave insegurança alimentar, segundo o IPC, e isso só deve piorar: estima-se que 70% da população estará em estado catastrófico nos próximos meses.
As causas por trás da rápida ascensão da carestia?
Por um lado, a persistência dos ataques e a destruição de infraestrutura essencial para a produção de alimentos. Em março, já se estimava que quase metade das árvores e terras aráveis da região haviam sido destruídas.
E isso evidencia uma das consequências mais trágicas: os efeitos dos ataques serão sentidos por muito tempo, mesmo se o conflito acabasse hoje. A fome é uma situação na qual entramos rapidamente, mas demoramos muito tempo para sair. Isso sem contar os efeitos de longo prazo, principalmente sobre a saúde e a educação das crianças.
Por outro, destaca-se a falta de ajuda humanitária para suprir a demanda urgente dos palestinos. Mesmo com o aumento da pressão internacional, a quantidade de caminhões efetivamente entrando em Gaza são uma gota no oceano.
E isso pode parecer um problema óbvio, mecânico: seria impossível estancar uma ferida deste tamanho com um band-aid, por maior e mais bem intencionado que ele fosse.
Mas a verdade é que há muito que pode ser feito para aumentar o compêndio de alimentos sendo fornecido, e que isso significa diretamente salvar milhares de vidas.
Em primeiro lugar, é respeitar quem está tentando ajudar. (e respeitar a lei internacional!)
Após a denúncia (ainda sendo investigada) de que 12 (dos mais de 1200) funcionários da UNRWA participaram dos indefensáveis ataques do 7 de outubro, os EUA e outros países cortaram o financiamento para a agência.
A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio provém assistência na região desde 1949, e é a principal fonte ajuda humanitária. O corte repentino de mais de 80% do orçamento é parte de uma campanha longa de tentativa de desmantelar a organização, como mostra esse artigo.
E a UNRWA não foi o único alvo: o exército israelense assassinou 7 voluntários da World Central Kitchen no começo de abril, interrompendo a atividade da organização por um mês. Além disso, esse relatório mostra como a inspeção israelense é arbitrária, e impede desnecessariamente que caminhões atravessem a fronteira e cheguem a seus destinos.
Mas é preciso também redirecionar o financiamento internacional.
Enquanto se torna cada vez mais difícil enviar auxílio à Gaza, também mais dinheiro é enviado para aprofundar o conflito. Na última semana, o parlamento americano aprovou um extra de 26,38 bilhões de dólares para ajudar Israel – três vezes mais do que foi enviado como ajuda humanitária.
E a luta vale também para a sociedade civil. Estudantes nos EUA protestam para que universidades parem de investir em setores que contribuem para a guerra, e tem sofrido muito para serem ouvidos.
É preciso, no entanto, seguir lutando. Pois não se trata de um problema irresolvível ou de uma terra condenada.
Agenda do Desajuste
Semana que vem retornam nossas Reuniões Temáticas! Terça-feira, dia 7, faremos uma reunião de discussão do texto “Possibilidades Econômicas para Nossos Netos”.
Se inscreva por aqui: bit.ly/nossosnetos
O PDF do texto está disponível no forms de inscrição.
O que mais você precisa saber
PARA LER (recomendação do ministro!): A mudança das metas e o desafio da sustentabilidade fiscal brasileira, artigo de Bráulio Borges, economista do FGV/IBRE
PARA VER: A série Xogum, disponivel na plataforma Star+, explora o Japão no contexto das grandes navegações e a invasão de outras nações na ilha.
PARA OUVIR: Para os ansiosos climáticos, o Anti-Dread Climate Podcast debate mudanças mudanças que podem ser feitas no dia a dia.
PARA LER: A política do salário mínimo foi importante para combater a pobreza no Brasil? Artigo de Brito e Kerstenetzky sobre a dinâmica dos benefícios sociais e indicadores de pobreza e desigualdade.
PARA LER: Os norte-coreanos por trás do pescado consumido no mundo: Assédio sexual, vigilância e confinamento são algumas das violações cometidas na cadeia da pesca por empresas chinesas dependentes da força de trabalho que vem transferida ilegalmente do país vizinho
Desajuste na Mídia
Quando as taxas do financiamento imobilário vão começar a cair? De acordo com Evandro Alves, economista do grupo imobiliário QuintoAndar e membro do Desajuste, pesquisadores e agentes de mercado trabalham com a chamada "defasagem da política monetária", que faz com que as diretrizes estabelecidas pelo Banco Central demorem em torno de seis meses até serem transmitidas para as transações reais. Este tempo de defasagem, contudo, depende de vários fatores.
Ajude as famílias no Rio Grande do Sul!
O estado do Rio Grande do Sul é mais uma vez vítima da crise climática, e vem sendo terrivelmente atingido pela chuva nos últimos dias. Casas destruídas, vidas perdidas e cidades devastadas pelas consequências da crise climática. Contribua com as famílias atingidas. Informações no post do Movimento dos Atingidos por Barragens - Região Sul.
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